Crónica de Luís Portela Morais para o Autoportal
De volta a Portugal, após 20 dias na Arábia Saudita, regressamos com o sentimento de felicidade e de dever cumprido. Foram uns últimos meses muito difíceis, de enormes sacrifícios pessoais, familiares e profissionais, mas que valeram muito a pena depois de a 14 de janeiro termos cumprido o nosso sonho e ter terminado o Dakar 2022.
O Dakar 2022 para nós começou por volta de junho quando os nossos patrocinadores começaram a validar e a acreditar no nosso projeto. Sem eles nada disso teria sido possível. Assim, desde essa altura e com base no budget que tínhamos começámos a organizar o nosso plano que passava por criar uma estrutura própria utilizando um carro que nos garantisse fiabilidade e também alguma competitividade.
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Reunimos então uma equipa com dois magníficos mecânicos, o Pedro Caixeiro e o Nuno Passos “Mocho”, para se juntarem a mim e ao David Megre – meu navegador – e também ao Tomás Neves, o nosso grande amigo. Do zero criámos uma estrutura pequena, mas com tudo o que era necessário para que nada faltasse no Dakar. A experiência do Pedro e do David foi fundamental.
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No dia 28 de dezembro chegámos a Jeddah e de repente se percebeu que uma estrutura pequena parecia gigante, pois nada nos faltava e muitos olhavam para nós vendo a forma profissional como trabalhávamos e preparávamos o carro e a logística.
Os primeiros dias foram de organização e de verificações técnicas e administrativas onde não tivemos nenhum problema espelhando que o trabalho de casa tinha ficado muito bem feito.
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No dia 1 de janeiro tivemos o nosso primeiro teste ao cronómetro e no prólogo conseguimos logo um bom resultado que nos deixava muito bem posicionados para a primeira etapa do Dakar.
A primeira etapa do Dakar, apesar de termos feito um ótimo resultado dentro do Top 10, mostrou a falta de conhecimento que tínhamos do carro e verificámos que tínhamos um problema que obrigou os mecânicos a um serão prolongado até descobrir a situação.
Após termos o carro impecável na etapa três, um erro meu fez-nos perder cerca de 40 minutos a reparar o carro, mas foi também um importante momento para o nosso Dakar. Penso que este erro foi o ponto de viragem para os restantes nove dias de corrida porque fizemos sempre etapas excelentes.
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Por azar a quarta etapa era a mais longa do rali e o nosso atraso do dia anterior fez-nos partir num horários que sabíamos que mesmo que fizéssemos uma etapa perfeita iríamos acabar de noite, algo que era novo para nós e que mete sempre muito respeito.
Assim, partimos para a quarta etapa de modo a fazer uma especial perfeita e foi o que fizemos. Com um ótimo andamento viemos sempre sem problemas até ao refuelling a cerca de 80km do final, onde já chegamos com o sol a pôr-se. Após o refuelling saímos a tentar fazer o máximo de quilómetros com a luz do dia, no entanto a cerca de 50km do final já estava noite cerrada e começou uma nova experiência.
Sempre com grande concentração e com um bom ritmo mesmo de noite, o David fez uma navegação espetacular mesmo sem qualquer ponto de referência e conseguimos perder apenas cerca de oito minutos nesses 50km noturnos. Terminámos esta especial contentes e com o sentimento que tínhamos descoberto o ritmo ideal para o resto dos dias do Dakar. Sobre estar no deserto à noite, é uma experiência nada agradável, pelo menos para mim!!!
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Logo que descobrimos o ritmo certo não tivemos mais qualquer problema e ao sétimo dia tivemos o nosso merecido descanso em Ryade, onde para os nossos mecânicos foi dia de fazer uma revisão total à nossa máquina.
Sobre todos estes dias destacamos a presença de três nossos amigos, que nos seguiram e acompanharam durante todos os dias no meio de deserto e ainda foram grandes companheiros nas noites de Bivouc. Os nossos jantares todos juntos foram das melhores coisas do Dakar, onde por momentos esquecíamos de todas as dificuldades que passávamos dia após dia e a boa disposição reinava.
Na segunda semana de prova enfrentámos as especiais mais duras, mas onde conseguimos sempre grandes resultados na geral e nos levou a consolidar o nosso sétimo lugar da classificação geral. Mostrámos a todos que estávamos ali para cumprir o nosso sonho e que com uma pequena equipa também se pode ter grandes resultados, desde que trabalhemos todos para um objetivo comum e procuremos a perfeição.
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Finalmente o dia 14 de janeiro chegou e com ele a última etapa, talvez a mais dura para nós. O sentimento de estarmos a chegar ao final e que algo de errado pudesse acontecer vinha à nossa cabeça a todos os quilómetros, valas e buracos.
Apesar de iniciarmos a etapa com um ritmo cauteloso, mas rápido, perto do km 80 quando seguíamos no pó de três concorrentes um erro de navegação fez-nos sair do percurso cerca de 8 km. Quando voltámos à estrada certa já muitos camiões nos apanhavam, então optámos mesmo por levar o carro até ao fim sem correr qualquer risco. Aqui agradeço muito o trabalho mental que a minha psicóloga preferida (a minha mulher) fez ao longos dos últimos anos, para estar preparado para estas dificuldades!! Assim, fizemos os últimos 50 kms num ritmo mais tranquilo e conseguimos atingir 99% do nosso sonho que foi terminar a última especial do Dakar.
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Foi um momento inesquecível e que tivemos a sorte de o viver com amigos que nos esperavam no final. Foi fantástico ligar para casa e partilhar com a minha família que estávamos quase a cumprir o nosso sonho. Faltavam cerca de 300 km de ligação, a primeira que fizemos mais descontraídos, com enorme ansiedade de chegar ao pódio final
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O Pódio Final – que momento incrível, uma descarga de emoções, adrenalina e o sentimento de dever cumprido e que todos os sacrifícios, treinos e horas de trabalho tinham compensado. As imagens da nossa festa falam por si, mostra a nossa felicidade e representa bem como uma equipa pequena, mas unida pode fazer a diferença perante grandes estruturas com outros recursos. A bandeira de Portugal bem hasteada foi a nossa homenagem a todos os que nos apoiaram e ajudaram a chegar ao fim, algo muito importante para a nossa pequena conquista.
Espero com esta crónica passar um bocado o nosso sentimento ao longo do nosso Dakar e que demonstre que com os valores corretos de vida conseguimos atingir os nossos sonhos!
Obrigado,
Luís Portela Morais
Fonte/Referência: https://autoportal.iol.pt/desporto/rali-dakar/o-meu-dakar-2022-por-luis-portela-morais-cronica-do-7-classificado-na-categoria-ssv/20220123/61ed8ec20cf2c7ea0f14ddbe