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A resistência a antimicrobianos segue como uma emergência e ameaça global, especialmente nas últimas décadas com o surgimento de diversas cepas bacterianas multirresistentes (MDR), resultando em aumento da morbidade e mortalidade e dos custos para os sistemas de saúde. As tentativas diversas para controle do avanço da resistência a antibióticos incluem a estratégia de uso racional de antimicrobianos e o desenvolvimento de novos compostos com ação antibacteriana. Os principais focos para o desenvolvimento de antimicrobianos é destinado ao tratamento de infecções por Pseudomonas aeruginosa multirresistentes, enterobactérias resistentes a carbapenemas, cepas extensivamente resistentes (extensively drug-resistant organism, XDRO) ou pan-resistentes a drogas (pan-resistant organisms, PDRO). De forma a divulgar as novidades promissoras até o momento, Al-Tawfiq e colaboradores (2021) publicaram recentemente uma revisão extensa, baseada na pesquisa de artigos publicados no Medline, Clinicaltrials.org e outras fontes no período de 2017 a 2020 pela metodologia e Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA), do que pode ser considerado promissor no mundo dos antimicrobianos, especialmente aqueles em fase 3 dos ensaios clínicos. Dos 576 artigos encontrados na triagem inicial, 37 artigos atenderam os critérios de estudos do tipo ensaios clínicos randomizados em fase 3.
Leia também: ATS 2021: novos tratamentos contra patógenos resistentes – uma pitada de esperança
Apontamos abaixo os principais pontos ressaltados:
- Delafloxacino — Nova fluoroquinolona aniônica aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), EUA, em 2017, e pela European Medicines Agency’s (EMA) para o tratamento de infecção bacteriana aguda de pele e partes moles, e de forma não inferior a vancomicina associada ao aztreonam. A droga inibe as topoisomerases II (DNA gyrase) e IV, com consequente inibição da replicação, transcrição, reparo e recombinação do DNA bacteriano. Apresenta elevada acumulação pulmonar (13:1 quando comparado aos níveis plasmáticos) e 65% é excretado por vias urinárias. Não parece prolongar o intervalo QT no eletrocardiograma ou causar fototoxicidade. Apresenta também atividade antimicrobiana concentração-dependente e baixa concentração mínima inibitória para Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, anaeróbios e microrganismos atípicos. Algumas cepas de S. pneumoniae resistentes a levofloxacino foram susceptíveis a delafloxacino. A eficácia e segurança foi comparável ao moxifloxacino no tratamento da pneumonia comunitária;
- Meropenem/Vaborbactam — Combinação fixa aprovada pela FDA em 2017 para o tratamento de infecção urinária (ITU) complicada, incluindo pielonefrite. Em 2018, a EMA aprovou o medicamento para ITU complicada, infecção intra-abdominal complicada e pneumonia hospitalar, incluindo associada à ventilação mecânica. O composto vaborbactam não têm ação antibacteriana e protege o meropene da degradação por beta-lactamases, especialmente as carbapenemases produzidas por Klebsiella pneumoniae (KPC). Por outro lado não apresenta atividade contra OXA-48 e metalo-beta-lactamases (MBL) ou P. aeruginosa resistente a carbapenemas. O sucesso no uso da combinação é superior ao tratamento com piperacilina-tazobactam, e apresenta menor índice de efeitos adversos;
- Imipenem-Cilastatina-Relebactam — Combinação fixa de imipenem com o inibidor de metabolismo renal (cilastatina) e um inibidor de beta-lactamase (relebactam). O relebactam é ativo contra beta-lactamases das classes A (ESLB e KPC) e C (AmpC), dessa forma apresenta atividade contra enterobactérias produtoras de ESBL, KPC, enterobactérias produtoras de carbapenemases (CRE) e possivelmente P. aeruginosa resistente a carbapenemas. A combinação não é inferior à atividade de piperacilina-tazobactam, mas não apresenta atividade contra produtores de OXA-48 ou MBL como Acinetobacter baumannii ou Stenotrophomonas maltophilia;
- Plazomicina — Composto aminoglicosídeo aprovado pela FDA e EMA em 2018 para o tratamento de ITU complicada. A droga se liga à subunidade ribossômica 30S e inibe a síntese proteica de uma maneira concentração dependente. Apresenta atividade contra enterobactérias produtoras de ESBL, CRE, S. aureus, ototoxicidade e alteração fetal. Os resultados indicam resultados comparáveis e não inferiores ao uso de meropenem;
- Eravaciclina — Nova fluorociclina do grupo das tetraciclinas com atuação inibitória na síntese proteica por ligação à subunidade ribossômica 30S. Tal composto sobrepõe os mecanismos de efluxo da tetraciclina e mecanismos de proteção ribossômica. Apresenta atividade contra MRSA, VRE, enterobactérias ESBL positivas, A. baumannii e CRE, mas não apresenta atividade contra P. aeruginosa ou Burkholderia cenocepacia;
- Omadaciclina – Também pertencente ao grupo das tetraciclinas e foi aprovada em 2018 para o tratamento de pneumonia comunitária e infecções de pele e partes moles. Também sobrepõe os mecanismos de efluxo da etraciclina e mecanismos de proteção ribossômica, e apresenta atividade contra Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae. Pode ser usado em monoterapia ou em combinação empírica com beta-lactâmico e macrolídeo;
- Lefamulina — Antibiótico pleuromutilina aprovado pela FDA em 2019 para uso em pneumonia comunitária. O composto inibe a síntese proteica por ligação à subunidade ribossômica 50S, e apresenta atividade contra S. pneumoniae, MRSA, VRE, Neisseria gonorrhoeae multirresistente, Chlamydophila pneumoniae, L. pneumophila, M. pneumoniae, e Haemophilus infuenzae;
- Cefiderocol — Consiste no primeiro de uma classe de cefalosporinas sideróforas com atividade contra bactérias Gram-negativas produtoras de carbapenemases . As indicações clínicas incluem o tratamento de ITU complicada, pneumonia hospitalar, infecções de corrente sanguínea e sepse causadas por Gram-negativos MDR.
Outras propostas antimicrobianas recentemente descritas e promissoras incluem, em resumo, os compostos abaixo:
- Levonadifoxacino/Alalevonadifloxacino (Pró-droga) — Subclasse de quinolona com atividade contra MRSA, S. aureus com resistência intermediária ou plena à vancomicina, e resistentes a quinolonas; intolerante ao tratamento;
- Iclaprim — Inibidor da enzima dihidrofolato redutase (DHFR) com consequente inibição da síntese de ácido nucléico e síntese protéica, com atividade superior ao trimetoprim e de sobreposição à resistência ao trimetoprim. É bactericida contra Gram-positivos MDR;
- Sulopenem — Antibiótico beta-lactâmico tiopenêmico desenvolvido como pró-droga (sulopenem-etzadroxil) para o tratamento de ITU e infecções intra-abdominais complicadas, com atividade contra enterobactérias produtoras de ESBL;
- Contezolid (MRX-I) — Consiste em uma oxazolidinona sugerida para o tratamento de infecções de pele e partes moles complicadas causadas por bactérias Gram-positivas resistentes. Apresenta atividade contra MRSA, E. faecium vancomicina-resistente e S. pneumoniae resistente;
- Solitromicina — Macrolídeo de 4ª geração (flurocetolídeo) com ação contra S. pneumoniae resistente a macrolídeo, H. influenzae e patógenos atípicos em quadros como pneumonia comunitária;
- Outras propostas com resultados de sucesso incluem Cefepima + Enmetazobactam – AAI101 com inibição de ESBL e carbapenemases das classes A e D; Ridinilazol com potente inibição de Clostridium difficile, Gepotidacina (GSK2140944) com inibição de topoisomerase II e aplicação no tratamento de N. gonorrhoeae MDR e bactérias Gram-positivas como MRSA; Sulbactam/Diazabiciclooctano com inibição de beta-lactamases incluindo A, C, D, CRE e CRAB; Zoliflodacin com inibição de topoisomerase II e aplicação no tratamento de N. gonorrhoeae MDR; e Taniborbactam (VNRX-5133) com inibição de metalo-beta-lactamase e serina-beta-lactamases com amplo espectro de inibição contra beta-lactamases ESBL classe A, B (NDM e VIM), C (AmpC de P. aeruginosa e D (OXA).
Saiba mais: Quartos individuais diminuem a transmissão de bactérias multirresistentes?
Como observado, apesar das dificuldades no desenvolvimento de novos compostos, verificamos uma evolução recente nas propostas vigentes, algumas dessas já em ensaio clínico em fase III. Relembro que atualmente, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), os alvos principais que consistem em prioridade na busca por novos compostos devido a ameaça importante para a Saúde Pública incluem os seguintes patógenos:
Patógenos críticos:
- A. baumannii resistente a carbapenemas;
- P. aeruginosa resistente a carbapenemas;
- Enterobactérias resistentes às cefalosporinas de 3ª geração.
Patógenos de alta prioridade:
- Enterococcus faecium;
- S. aureus (MRSA, VISA e VRSA);
- Helicobacter pylori resistente a claritromicina;
- Campylobacter resistente a fluoroquinolona;
- Salmonella spp. resistente a fluoroquinolona;
- N. gonorrhoeae resistente a fluoroquinolona e às cefalosporinas de 3ª geração.
Patógenos de prioridade média:
- S. pneumoniae não susceptível à penicilina;
- H. infuenzae ampicilina resistente;
- Shigella spp. resistente a fluoroquinolonas.
Mais detalhes sobre as novidades em antibióticos podem ser encontrados na referência abaixo.
Autor(a):
M.D., PhD. ⦁ Médico ⦁ Microbiólogo ⦁ Professor Associado / Lab. Micobactérias, Depto. Microbiologia Médica, Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Referências bibliográficas:
- Al-Tawfiq JA, Momattin H, Al-Ali AY, Eljaaly K, Tirupathi R, Haradwala MB, Areti S, Alhumaid S, Rabaan AA, Al Mutair A, Schlagenhauf P. Antibiotics in the pipeline: a literature review (2017-2020). Infection. 2021 Oct;4:1–12. doi: 10.1007/s15010-021-01709-3
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Fonte/Referência: https://pebmed.com.br/novidades-em-antibioticos-2017-a-2020/